sábado, 26 de novembro de 2005

Adorável cheiro de nostalgia

Hoje de manhã fui bater na porta do zelador pra pegar uma encomenda que havia chegado do Correio. Ele não estava, mas a filhinha dele atendeu, abrindo a porta e deixando sair aquele cheirinho de comida caseira feita pela mãe, que não se encontra em restaurante nenhum desse mundo. Não era só um cheiro de comida: Era um cheiro de zelo, de carinho, de tudo aquilo que só vivemos enquanto não saímos definitivamente de casa mundo afora.

De imediato aquele cheiro me remeteu a uma experiência nostálgica: Há uns seis anos eu não sei mais o que é isso.

É próprio do ser humano dar valor à àgua só depois que a fonte seca; mas eu me recordo de - enquanto ela esteve viva - ter lhe declarado diversas vezes o quanto me sentia grato por ela ter existido.

Pelo menos a nostalgia não me traz remorsos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Eu vi você no Orkut

A nova era virtual decretou o fim do anonimato. Não existe mais ninguém anônimo – só quem assim quiser se manter. Estão à sua disposição muitos mais do que 15 minutos (ou pixels) de fama. Se eu não te reconhecer, você é quem me identificará, mais ou cedo mais tarde, pelas ruas, corredores, escola, festas ou no prédio onde trabalho. Porque a minha carinha (e a tua) tá lá, para alegria e frenesi da curiosidade alheia.

Desconhecidos e conhecidos "de vista", amigos e desafetos, amores e ex-amantes, os que ainda te amam ou te odeiam. Passam todos por lá: pra matar a saudade, pra bisbilhotar sem ninguém saber, ou apenas para conferir se você está mais ou menos feliz do que antes. Por mais que resista, mais cedo ou mais tarde aquele (des)conhecido seu vai dar as caras por lá – para sua total alegria ou insatisfação.

Reencontros? Procure pela comunidade da sua antiga escola; olhe bem, com certeza os rostos mudaram um pouco, ou bastante. Com um pouquinho de vontade ninguém "das antigas" vai passar despercebido. Poste um tópico do tipo "Alguém aqui de 96-99?" e aguarde por possíveis surpresas (por vezes) agradáveis.

Curiosidade sobre a vida alheia? Eis a oportunidade que você tanto procurava... de saber tudo sobre aquela pessoa com quem você anda flertando, sobre aquele antigo rolo ou sobre aquela pessoa megera que você odeia... basta ter o nome e o sobrenome, que o site faz o resto. Descubra e – em alguns casos – surpreenda-se.

Insegurança amorosa? Seus problemas acabaram! Não, o fato do seu amor ter uma vitrine virtual aberta ao público não é problema: agora, todas aquelas indesejadas amigas do seu namorado vão dar as caras na página de scraps pra falar com ele, e você ficará sabendo do perfil das possíveis adversárias, bem como de suas (insinu)ações em tempo (quase) real... e não se esqueça da foto com você do ladinho dele, pra demarcar também virtualmente seu território (o mesmo vale para homens).

Diga-me quais comunidades freqüenta e te direi quem és... em um pouco de cada post ou scrap, descubra mais sobre quem você quiser. Não acredite muito no que vê no tal "profile" – o que a pessoa registra em scraps e tópicos de comunidades acaba sendo mais sincero e revelador do que aquilo que ela expõe em seu próprio perfil.

– Oi, vem cá, quero te apresentar a...

– Olá, muito prazer... nem precisa dizer mais nada – já sei quem você é porque já te vi no Orkut.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Ascensão e queda de um rude plebeu

Matéria sobre o média-metragem de 1983 no Correio Braziliense (27/03/2001).

Parte I: Ascensão

Era bom demais pra ser verdade. Tive um orgasmo mental quando abri o jornal naquela terça e li o artigo. Não era a primeira vez que Daniela Paiva, jornalista sempre sensível à causa roqueira, nos dedicava uma página inteira na capa do caderno de cultura. Dessa vez anunciava uma mostra de cinema punk, deixando lá no finzinho da página a minha chance de realizar um antigo sonho: hora e local de exibição do lendário vídeo caseiro produzido pelos rudes plebeus junto com o rei dos legionários. Uma raridade de 20 anos atrás que parece ter previsto o futuro da minha banda brasiliense favorita. E tal sonho não me custaria um centavo:


Entrada franca!


Pelo menos foi o que os organizadores anunciaram no jornal...


Parte II: A Queda

Foi prazeiroso chegar ao Centro Cultural por volta das 20h30 e encontrar várias figurinhas punks (?) da cidade reunidas numa só fila, numa reprodução fiel de uma fila do Porão do Rock... Foi uma dessas figuras que me avisou logo de cara: "véi, tem que pegar ingresso..."

"Como é que é?..."

"Isso mermo, corre lá que deve tá esgotando..."

Corri, em vão. Um cara vestido com a camiseta da tal mostra punk tava lá parado na bilheteria com cara-de-tacho só pra dizer "tem mais não... ingresso esgotado"... "Tem como entrar mais não".

"COMO ASSIM??? Lá no jornal cês avisaram só que era ENTRADA FRANCA, não tinha nada de MEDIANTE RETIRADA ANTECIPADA DE INGRESSOS NA BILHETERIA"!!!
[desnecessário reproduzir o palavreado punk hardcore que vociferei contra ele]

O cara-de-tacho não moveu um músculo do rosto ou do corpo. Enquanto isso, na entrada da caixinha de fósforo que era a sala de exibição do filme – inadmissível um Centro Cultural de proporções faraônicas ter uma salinha daquelas – outro indignado que veio de Taguatinga impulsionado pelo mesmo sonho tentava argumentar e convencer o segurança que recolhia os ingressos a deixar a gente entrar... Inutilmente. Pra consolidar a clima anti-rock, um punk de butique com a boca cheia de piercings posando de responsável pela sessão com o curta ainda pediu pra chamar um dos guardas pra fazer cena de "tô na área" diante dos excluídos, como se alguém ali o ameaçasse de morte – e deveriam mesmo: entrei no embalo e me uni a outros barrados no coro de xingamentos. Não havia tanta gente do lado de fora, de onde dava pra ver que, lá dentro, havia espaço de sobra pra sentar, deitar e ficar de pé... Quem se importava? Tudo o que queríamos era finalmente poder conferir o histórico curta pelo qual Renato Russo e os integrantes da Plebe Rude levaram o prêmio de melhor filme experimental do Festival de Cinema em 1983. E tudo o que repetiam é que haviam distribuído uns 120 ingressos antecipados e que a caixa de fósforos já estava lotada. Argumentamos que a entrada de mais alguns palitos não faria nenhuma diferença. E continuaram com a mesma ladainha. Um amigo quis me convencer a sair logo dali dizendo que era só fazer uma busca pelo Kazaa que eu baixava e assistia em casa mesmo. "Nãããão!!! *@$%¨&*# nenhuma!" Já havia procurado antes e nunca tinha achado... Mas passados uns 40 minutos após o início da sessão, eu e os demais excluídos – quem diria, da mostra de um movimento que sempre encarnou o espírito do rock de protesto – vazamos de lá, devidamente frustrados com o concreto rachado do CCBB.

São essas e outras que me fazem pensar que o punk deve estar mesmo enterrado desde 1983.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Mesquinharia servida à mesa

12:50h. Refeitório do Comando da Aeronáutica. Em meio à refeição, percebi - não tinha como não perceber - a algumas mesas de distância, a intensa conversação de um grupo de algumas "colegas" de trabalho, que só naquele horário tinham a oportunidade de, em panelinha, encontrar-se pra atualizar as fofocas do dia.

Não, não estou sendo maledicente em afirmar que tratavam de fofocas: não tive nenhuma dificuldade em perceber que falavam [muito] mal dos outros, pois pela altura do papo entendia-se que queriam mesmo era que todo mundo ou pelo menos alguém ouvisse. Mesmo que não fosse possível ouvir, estava nítido no olhar de sarcasmo e deboche de algumas delas o frenesi anal que experimentavam em se ocupar da vida alheia.

E atenção para o prato do dia: a vida dos outros!

Pegue um talher e vá espetando: "...tadinho, olha lá a esperança dele"... "pelo menos ela é bonita... mas ela é noiva, etc... " imagino que em algum momento até falaram [muito] mal de mim, que me encontrava no campo visual delas, tornando-me provavelmente alvo fácil e certeiro de suas intrigas inúteis - mas que faziam a felicidade fugaz de cada uma ali presente. Se não sabiam de nada, inventavam. Se já tivessem inventado, aumentavam. E dá-lhe fermento.

Após considerável troca de informações valiosíssimas - não devem ter levado muito tempo com a boca cheia - levantam-se e se despedem, visivelmente saciadas: o prazer em escarnecer do próximo acabou de lhes permitir um orgasmo dificilmente atingido com seus respectivos parceiros.

Parafraseando Woody Allen, como posso acreditar em Deus se na semana passada encontrei criaturas que jamais poderiam ter sido concebidas em sua [suposta] infinita misericórdia?

segunda-feira, 18 de julho de 2005

Flerte acadêmico

[Certa tarde em algum departamento da universidade]

Monitora – Seu café, professor.
Professor – Obrigado, querida.
Monitora – Açúcar?
Professor – Não...
Monitora – Adoçante?
Professor – Não... obrigado.
Monitora – O senhor toma amargo?
Professor – Não... mas a sua doçura é suficiente.

domingo, 17 de julho de 2005

Dependência

Mal cheguei no trampo deu aquela vontade... resisti.
Meia hora depois, aquele desejo básico. Segurei a barra.

Depois do almoço... ficou difícil não pensar em um.

À noite, saindo da biblioteca rumo ao minhocão, a tentação me aborda com toda força,

aliada aos companheiros que empunhavam aquela coisa soltando fumaça.
Mas disse não e passei direto.

Fui dormir com o estômago sem arder:
Passei um dia inteiro sem tomar café.



[gastrite é uma merda]

terça-feira, 31 de maio de 2005

O (ou mais um) dia em que o rock salvou a minha vida


Rio de Janeiro, domingo, 21 de Janeiro de 2001: último dia do Rock In Rio 3. Cheguei às 15h35 na Cidade do Rock. Quando me dei conta já tava furando fila, me enfiando multidão adentro pra conseguir pegar, ainda no início, o show dos rudes plebeus. Ok... tô conseguindo. Já havia comparecido a três dias anteriores, embalado pelo som do Barão, Oasis, Engenheiros, Foo Fighters, Ira!, R.E.M, Neil Young... Dali já consigo ouvir os primeiros acordes de “Brasília”. Saio da confusão reinante na bilheteria, entro no embalo e me infiltro da multidão que superlotava a Tenda Brasil, palco onde se apresentava a banda mais engajada do rock tupiniquim – e não por acaso uma das minhas favoritas. Agora tá rolando “Johnny Vai à Guerra” e já me encontro bem posicionado na platéia-tumulto, evitando qualquer cabeção mais alto que eu à minha frente: não é fácil ser baixinho, principalmente em shows. Mas eu preciso chegar mais perto.

Pego então uma carona num trenzinho humano em direção ao gargarejo – e sigo cantando:
“... todos sabem a procedência / Mas não seu destinoooooooo...” após a canção, o vocalista se apresenta (como se isso fosse necessário): "Nós somos a Plebe Rude..." sabemos disso, Phillipe... é por isso que estamos aqui! E sem perder mais tempo... “Será verdade/ Será que não / Nada do que eu posso falar...” E naquilo que eu chamo de segunda introdução da música, “Pra sua proteçãooooo...” catarse coletiva: toda uma geração estava ali, saudosa. Há tempos muitos ali não assistiam a um show deles. Deve ser o caso daquele maluco lá que escalou um dos mastros e tá berrando lá do alto algo irreproduzível. Nossa, de onde veio essa rajada de cubos de gelo? Chegou em boa hora... deu uma refrescada boa.

Um hino: “... Com tanta riqueza por aí / Onde é que está / Cadê sua fração...” Jatos d’água pra refrescar os corpos suados. E fim do show. Inadmissível: não tocaram mais de quarenta e cinco minutos e não estavam nem no palco principal... fazer o quê, não são atração do momento nem têm jabá nas rádios... um choppinho pra aguardar a próxima atração.

E olha só quem me aparece, no meio da turba: Wagner! Velho parceiro de noitadas roqueiras... certo dia me viu em Taguatinga com uma camisa dos Smiths, e me abordou perguntando se era fã mesmo, dando início a uma bela amizade roqueira. E não tá sozinho: veio acompanhado de uma horda, muitos deles casados, com filhos e saudosos dos anos 80... anos que nunca terminaram: basta conferir as bandas escaladas pro festival. Deve haver outros amigos por aí espalhados pela Cidade, mas encontrá-los em meio a duzentas e cinqüenta mil pessoas dá preguiça... ‘caba de comer logo essa lasanha aí e vambora lá pra frente que vai rolar Biquini agora.


Tédio, Timidez... A multidão presente exibia uma sede insaciável pelo repertório dos anos 80, o que foi uma constante em todos os dias do festival: nos dias anteriores, o engenheiro Humberto Gessinger ressucitou o ex-RPM Paulo Ricardo, Fernanda Abreu chamou seu ex-parceiro da Blitz Evandro Mesquita na hora de cantar "Você Não Soube Me Amar", além de outras [des]atrações que não valeram a pena desenterrar. E eis que surge então a ressurreição do dia: Marcelo Hayenna do Uns & Outros é chamado ao palco: “Missionários de um mundo pagão/ Proliferando ódio e destruiçãooooo... a cada momento nostálgico como este que rolava no festival – e que não foram poucos – as pessoas se entreolhavam e trocavam sorrisos, como numa linguagem universal, como se quisessem dizer: “Lembra disso?” ou “Putz! Aquela música!”... vinha sonhando com isso durante muito tempo.

Logo em seguida, as modinhas do momento: Tijuana, Tia Anastácia... vamos sentar no ex-gramado da Cidade – que a essa altura era só terra e lama – pra fazermos um balanço dos dias anteriores: as garrafadas no Carlinhos Brown, o fiasco que foi o show do Guns, a dobradinha Ira! + Ultraje fazendo cover do Clash, as novas promessas (?) do rock nacional (Sheik Tosado, etc) e por aí vai. Olhando ao redor dava pra se convencer que a cidade do Rock era realmente uma cidade: enquanto algumas dezenas de milhares de pessoas pulavam em frente ao palco principal, era possível ver centenas de outras numa Tenda de Música Eletrônica, ao som dos DJs mais badalados do momento, além de outras dezenas circulando pelas lanchonetes, lojas de CDs (com os discos de todas as bandas do Festival, é claro), pelos terminais de banco e até agência de correios... já tô aqui mandando uns cartões postais da cidade (do rock, não do Rio). Enfim, dava pra passar uma semana inteira ali, tranqüilo. Tomar banho? Ué, tem uma galerinha ali se esbaldando embaixo do corredor de chuveiros... água para mais de 250 mil pessoas suadas, alcoolizadas, emaconhadas, roucas e cansadas.

O pessoal do Capital, com acústico recém-lançado, comemora seu retorno ao jabá das rádios e sua escalação para o palco principal. Dinho começa dizendo que é “um passageiro”, que "roda sem parar" e provavelmente daqui a pouco vai contar toda a história do Aborto Elétrico... deixa eu ir buscar mais um chopp então. É nessa que eu esbarro numa menina que vinha na contramão: desculpa! Não foi nada... juro que já tinha visto aquele rostinho em algum lugar. Várias vezes (dias depois, diante da TV, descobri que me esbarrei com uma tal de Samara Phellipo).

E o Capital Terminal se despede pra dar lugar ao Red Hot. A essa altura, a atmosfera de maconha já cobriu uma boa área ao redor do palco – e eu ali, fumando por tabela... já estamos partindo pra 10 horas de shows consecutivos aguardando o que seria a atração principal do dia – pra mim não era. Subitamente, a introdução porradística de “Around the world”. O som não tá legal. E quer saber? Minhas pernas não me agüentam mais em pé. Perái... deixa eu me deitar ali no chão. Putz... olha aquele cara ali, parece que foi pisoteado. E morto. Caso sério de overdose musical.

Caravana da despedida: ônibus municipais especialmente escalados pra fazer o itinerário Cidade do Rock – vários cantos do Rio dão partida e levam todos embora. Chego em Pavuna, na casa do primo onde estava hospedado no Rio lá pelas 4h45 da manhã de segunda-feira. Não. Não vou tocar a campanhinha e acordar todo mundo. Deixa eu deitar aqui no banco da praça, tirar um cochilo e esperar o dia amanhecer – daqui a pouquinho vai clarear. Se for atingido por alguma bala perdida do tiroteio que tá rolando ali na favela do Chapadão, não tem problema. Hoje morro realizado: minha camisa do Ira! tá imunda, calça e tênis idem, e meu rosto estampado com a satisfação de haver experimentado múltiplos orgasmos musicais.
Felicidade pra mim é música.

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Minha amiga orkuticida

Foi ato firme e resoluto,
Quase como suicídio.
Daiane me deixou de luto:
Cometeu orkuticídio.

Se queixou da dependência,
Do vício que aquilo causava
Perdendo o valor da existência,
Só na tela com os amigos falava.

Foi por ali
Que a conheci
Foi por ali
Que nunca a esqueci.

Por que alguém tão bacana
Tomou decisão apavorante?
Por que destino tão sacana
A fez nascer num Sul tão distante?

Como em romance de livro
Terei tempo, terei fé
Vou encarar distância e frio
E um dia te (re)ver* em Parobé.

terça-feira, 24 de maio de 2005

quem te viu & quem te vê

Foi difícil acreditar e admitir.
'vez em quando, nos esbarrávamos por aí.

Sempre agradável, dócil e cativante
Hoje, evitou o reencontro ali adiante.

Nem um oi qualquer, sequer.

Viu e fingiu
Fingiu que não me viu.

Nunca fará idéia do quanto eu a tinha em conta.
Nunca farei idéia de quando, como e porquê deixei de existir pra ela.

Após anos de vivência, decepção não dói mais: vira apenas constatação.


Com o tempo, você vai descobrindo que pra ser feliz com alguma pessoa, é preciso, em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que alguém que você considera (ou acha que considera) e que não quer nada com você definitivamente não é alguém a se considerar. Aprende assim a gostar de você, a cuidar de você, e, principalmente, a gostar e cuidar de quem também gosta e cuida de você. O segredo não é correr atrás das borboletas: é cuidar do jardim para que elas venham até você. No final das contas, vai achar não quem estava procurando, mas quem estava à sua procura. (Quintana)

domingo, 22 de maio de 2005

Prisioneiro temporal

Cá estou preso dentro desse expediente de quinta-feira pós-feriado.
Detido num burocrático horário de 9h às 17h - sem qualquer chance de apelação em instância superior pra ser dispensado mais cedo.
Nesse exato momento meu casio exibe "15:48", mas juro que há uma hora atrás eram 15h30.
Já peguei pelo menos uns cinco copinhos de café, só na parte da tarde - como se isso puder conferir alguma velocidade maior aos ponteiros do relógio de parede da minha seção.







Não adianta. O tempo não passa.







(...)







Passa não. De jeitinho nenhum.







Estou digitando tudo isto aqui também na esperança de que o intertexto faça com que eu sinta o tempo passar mais rápido. E digo isso embasado na Teoria da Relatividade do Einstein, o primeiro a provar (?) que o tempo é relativo. Mas é provável que no tempo dele não existisse seção de trabalho tão burocrática quanto a minha.
Eis o meu karma: não importa o que eu faça, sou prisioneiro da burocracia temporal desse maldito expediente.







(...)







Passa não. De jeito nenhum.

sábado, 21 de maio de 2005

No vai-e-vem das vans

PELA W3 NORTE

‘Bora gente, L2, L2... ‘bora moça, senta lá ó... pode ir motora... eeeei, calma aí motora, espera os passagero sentá, quase dirrubô a senhora aqui, pô...

Aqui moça, aqui ó, não vai nesse ônibus não, aqui tá vazio ó... [porra!] 'Bora...


CHEGANDO NA L2

[não, nesse ponto não motora, passa direto que ali só tem a velhinha, é passe livre]... opa, naquele lá tem mais gente... Vamo lá, RODOVIÁRIA – PÁTIO BRASIL – W3 SUL 'té o final!... vamo lá, tá vazio... 'bora moça, se enfia aqui no cantinho ó, tem espaço aqui bem do meu ladin, vai tê gente descendo ali no outro ponto... vamu lá gente! Tsc... 'bora motora...


NO PONTO DO HUB

Peraí, peraí motora, tem um busão ali atrás, 'sse cara vai quebrar a gente, deixa eu apertar o botão desse semáforo aqui... pronto... ‘bora! Tá me olhando assim por quê, senhora? O mundo é dos esperto...

Vamo lá, RODOVIÁRIA – PÁTIO BRASIL – W3 SUL 'té o final!... vamo lá, tá vazio... Ali ó jovem, lá trás, ó... cabe mais um em pé ali... pessoal aí de trás dá uma apertadinha aí pô!


FORA DO PONTO DE ÔNIBUS

Aquiaquiaqui, motora, peraíperái... aí, ô, PSSSIUUU, RODOVIÁRIA, VAI? W3 SUUL ‘TÉ O FINAL! VAI? Ei, calma aí dona, rapidin, só pegá mais uns passagero aqui... fosse a senhora lá ‘cê ia gostar não? Bora, motora...


E A VIAGEM CONTINUA

Pessoal que inda não pagô vamu adiantando as passage aí pra facilitar na descida... pô moça, tem trocado não? [‘taquiupariuéfoda...]

[Olha lá motora, olhaqueleputolá... ‘sse cara tá quebrando a gente, ultrapassa, ultrapassa 'ssa porra!] Calma senhora, tamo dentro dos limite de velocidade...

Aumenta essa sonzera aí motora... RÊÊÊÊÊÊÊÊ GOIÁS!!!... Tá alto o quê, moço? Oxi...





[totalmente baseado em fatos reais]

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Versos perdidos da Revolução

Encontrei-o no Sebinho há algumas semanas atrás. Nunca vi um igual aquele. Na hora só pude lamentar: não posso levá-lo agora, não tenho como pagar... Então fica aí bem escondido, logo-logo volto pra te buscar: raro, velhinho, surrado, exemplar anos 50 ou 60, de uma editora que nem existe mais, versão de um tradutor brasileiro certamente de igual destino. Mal o abri, li aquele poema maravilhoso, que ficará para sempre perdido em minhas lembranças. Sim, pois em meu retorno semanas depois ao Sebinho vasculhei inutilmente a prateleira da letra M... tarde demais.



Maiakovski havia partido.



O funcionário bem que tentou me consolar: “... esquenta não camarada, Maiakovski sempre volta.” Não, kamarada. Não aquele. Era raro demais. Uma perda que dói: ainda lembro da sensação de fascínio e prazer que o poema despertou... mas não como estava escrito. Para sempre perdido como lembrança vaga, por causa daquela única palavra entre os versos a ficar retida na memória:


Amar.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Resumo da aula de modernismo da última terça

A poesia romântica deu as caras e não demorou muito pra despachar a poesia clássica com um “ô, sai daqui, num tá vendo que não te quero mais?”, seguiu adiante e tomou seu rumo. Mais tarde deu de cara com a poesia moderna, a qual desejou mas acabou por ela rejeitada. E voltou, com o rabo entre as pernas, para os seios da amada poesia clássica.

[quase uma lei: um movimento literário surge, contesta o anterior, vai ao encontro do posterior, é negado por este e volta ao encontro do anterior]

domingo, 15 de maio de 2005

Disparidades

Certamente pensou que o assunto já havia sido dado por encerrado; já havia até afrouxado um pouco mais a segurança. Enganou-se redondamente, com uma torta redonda na cara. Torta não, o jornal fala numa "mistura de frutas", mas a rádio comunitária confirma a versão da torta de morango do Super Maia; quem sabe Vossa Magnificência não deve tê-la saboreado um pouquinho e repassado isso a alguns de seus assessores?

Até agora, nenhuma organização to(r)ta(lita)rista terrorista assumiu a autoria do atentado. O DCE, que já não vem contando mesmo com o apoio da maioria estudantil, afirmou que não podia ter mesmo "controle de tudo". O Correio falou dum suposto "Confeiteir@s sem Fronteiras", e que o autor da lambança era um "estudante que vestia paletó e camisa social". E como comprovaram que era estudante? E só estudante que protesta? É só estudante que costuma dar tortada na cara dos outros? Qualquer torta jogada na cara do reitor teria então obrigatoriamente relação com a paridade? Se pelo menos fosse uma torta bem divida em três partes iguais...

Bom, de qualquer jeito, o assunto conseguiu assim mais uma meia página nos jornais. E chegando ao campus naquele fim de tarde, conferi termos paritários saindo da boca até de quem ignorava o porquê daqueles adesivozinhos redondinhos distribuídos semanas antes.

Curioso foi a ocasião em que rolou o atentado: lançamento do livro "Os excluídos da Arca de Noé". Não poderia ser mais simbólico.

sábado, 14 de maio de 2005

Nem sempre [o momento] se encaixa

Estava decidido: a noite pertencia ao rock. Daquelas noites frias de Porão. Mas ainda à tarde numa repentina ligação de celular alguém reclamou por minha companhia. Tudo bem, deixa eu só parar de tocar London Calling na minha cabeça e botar pra tocar algo mais... putz, não tenho nada disso por aqui. Não importa, talvez ela já conte com a trilha sonora certa.

E assim acabei sintonizando outra melodia. Devo tê-la deixado feliz... queria sentir o mesmo: sair com alguém com outro alguém na cabeça é incômodo... beijar uma boca desejando outra, desanimador.

Chato quando seu timing amoroso não consegue sincronia com quem vem ao seu encontro.

segunda-feira, 9 de maio de 2005

Eu, webaholic

Não queria admitir, mas preciso assumir.

Nos minutos e segundos que precedem o acesso à minha caixa de entrada, uma ansiedade generalizada me impede de pensar em qualquer outra coisa até ver todas as mensagens novas. Teclo o nome de usuário errado. Atropelo a digitação da senha. Quando as vejo e finalmente consigo abri-las, uma ou outra acaba me dando pequenas sensações orgasmáticas e aquele sorriso idiota estampado na cara.

O professor informa o tema do seminário e o que me vem à cabeça é só a tela do google se abrindo com o cursor apontando em "pesquisa avançada".

Não me lembro mais quando foi que passei a dizer sempre "depois te mando um email" ao invés de "depois eu ligo pra você", ou "cê tem email?" ao invés de "qual seu número?"
(Recentemente, acho que andei soltando uns "cê tem orkut?")

Tenho encontrado pessoalmente várias pessoas que dias ou semanas antes só via na tela do meu computador - mesmo as mais distantes. (prova de que proximidade virtual leva, mais cedo ou mais tarde, irresistivelmente, fatalmente, à proximidade física)

Tenho achado mais cômodo dar cliques ou mexer na barra de rolagens do que folhear as páginas dum jornal ou livro.
(assinante do Correio acessa TODO o conteúdo pelo site!)

No trabalho, colegas têm me cutucado dizendo "anda!", "bora!" mas só depois de muito tempo dou conta que a irritação é com o tempo que passei preso entre a cadeira e o teclado; quando não são eles, é o chefe imediato perguntando sobre aquela janela minimizada ali na barra de ferramentas.
(Messenger, preciso dizer?)

E nesse exato momento tô aqui ansioso pra terminar logo esse rascunho de blog pra dar vez à Dandara que tá aqui do lado esperando sua vez no PC do CA.
(Você não tinha que terminar a apresentação do seminário de amanhã? Lembrei também que precisava passar no terminal do banco que fechou agorinha às 22h. Fodeu.)


E ainda se preocupam com cigarro e bebida... é essa dependência aqui que tá ferrando com a minha vida!
Quiçá de milhões de outras.

domingo, 8 de maio de 2005

Marias & Clarices

Nesse domingo o mercado tava cheinho de mães. Nem precisava (re)conhecer alguém ali pra saber que (praticamente quase todas) eram. Vovós, titias, adotivas, postiças, todo mundo era mãe ali hoje, que é o dia que o comércio elegeu pra que se gastassem e comprassem por/para elas; ué, então deviam estar todas em casa, com todas as raras mordomias, enquanto pais e filhos tomassem seu lugar nas compras. Ah, já sei porque tão todas aqui... tô vendo os carrinhos... cheios, abarrotados... de flores. Isso mesmo, hoje não é dia de fazer almoço. Além do mais as flores hoje - obviamente - estão numa irresistível promoção. De plástico, de verdade, pra todos os gostos. Mãe comprando pra avó, pras irmãs-mães ou pra todas as outras mães da família. Nunca se cansam de fazer isso, e não iam deixar essa missão na mão de qualquer um (diga-se "homem"). Uma delas tava ali na minha frente na fila, com uma floricultura móvel ambulante. Me pediu ajuda pra passar todo aquele jardim pelo caixa e recolocá-las depois com cuidado no carrinho. No fim, me olhou com um sorrisozinho sincero de agradecimento, daqueles que dizem "brigado, fio!". Também respondi risonhamente calado, embora ela não pudesse conhecer todo o significado do meu olhar: "Nada, senhora-dona-mamãe... não é nada diferente do que faria pela minha, se ainda estivesse viva."

Feliz eterno dia das mães, Dona Clarice - onde quer que você esteja.

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Eu vi a cara da morte e ela estava viva


Setembro de 2003. Saí depois das 23h do campus porque o filme passado na aula de Introdução à Literatura era grande. Tô atravessando a SQN 405. De longe, avistei um cachorro branco. Não era um vira-lata qualquer. Era a porra dum pitbull. Ele ficava pulando e dando voltas, soltinho, observado de longe pelo seu dono. De onde estava, aquela coisa branca já havia me avistado. Olhava, encarava-me várias vezes momentaneamente, mas logo em seguida fez como se houvesse me ignorado. Foi a deixa pra que eu traçasse uma rota paralela e não ficasse na reta dele. Não adiantou. Ele continuava pulando, dando voltas e observado pelo dono, mas foi se aproximando. Olhei pra outro lado, fingi que não estava nem aí, mas não teve jeito. Ao passar por uma distância de dez metros dele, virei apenas os olhos rapidamente pra ver se estava me encarando...




Estava.




Aquele olhar durou toda a eternidade.




Se o diabo existe, ele esteve ali, diante de mim. Lúcifer, Belzebu, Satanás... o olhar fixo daquele cachorro branco imóvel me hiptonizava e me dizia:

- Boa noite, desgraçado. Vim buscar sua alma.

Pensei que não tivesse mais que alguns segundos de vida. Não tenho nada contra morrer, pode ser hoje, pode ser mês que vem; acredito até na imortalidade da alma. O foda é ter que morrer dolorosamente, sofrer intensa e demoradamente antes do último suspiro. Nesse momento o dono parece ter se tocado e resolve chamá-lo: "Vem pra cá, Rex, volta!" (digo "Rex" porque a emoção do momento me impediu permanentemente de lembrar do nome do demônio). Mas ele continuou em meu encalço. Apesar de tudo, não deixei que a emoção mais terminal que já tive na vida tomasse o lugar da razão. Lembrei-me do que li certa vez em uma revista sobre como proceder ao ser abordado por um pitbull: diminua a velocidade do seu andar até parar. Abaixe a cabeça e não olhe mais pra ele, porque ele encara isso como um desafio e parte pro ataque logo em seguida. Vire-se vagarosamente na direção contrária e continue caminhando vagarosamente. Fiz tudo conforme recomendava a revista, e parecia que estava dando certo. Exceto por um detalhe: ele continuava a me seguir, vagarosamente... e rosnando. Baixinho. Era também um rosnado incisivo, que dizia: "Quero sua alma, AGORA, e nada nesse mundo (nem mesmo o meu dono que tá ali me chamando) me fará desistir de você, maldito que cruzou meu caminho". Minha alma nada, ele queria era o meu corpo, minha carne, meus ossos. Continuei andando, suando frio e calculando quantos segundos ainda faltava pra pensar/fazeralgumacoisa/rezar/gritarporsocorro até que estivesse finalmente despedaçado. Finalmente, não ouço mais rosnado algum. Mas só tive coragem de olhar pra trás após mais de 100 metros percorridos. Na verdade, nem me lembro de ter olhado pra trás até chegar em casa. A qualquer momento, ele soltaria o rosnado seguido do latido definitivo, antes de chegar até minha jugular. Mas não o fez. Já devia estar era longe, recolhido no apartamento com seu dono.

Acredite: uma leitura de revista na barbearia antes do corte de cabelo pode salvar sua vida. Ou pelo menos fazê-la durar mais um pouquinho até algum próximo encontro inevitável.