quinta-feira, 17 de julho de 2014

Um retrato do revisor no Brasil da década de 1920



Um revisor não se improvisa, nem se forma com doses de conhecimentos scientificos e literarios; é necessário ter consciência do que vae emendar, calma suficiente para analysar o que estiver errado, fora de concordância, ou de duvida; marcando, com os signaes especiaes usados, á margem das provas, com clareza e precisão, para serem compreendidos pelos typographos.

Uma bôa parte dos que se empregam neste mistér são os estudantes e funccionarios públicos, os quaes, contando com suas mesadas ou ordenados, pouco interesse tomam (com raras excepções) por esse estafante serviço; não precisam mais que uma fumaça de ilustração e o conhecimento de alguns signaes empregados na revisão de provas.

Em a minha longa pratica de imprensa tenho visto entrarem, apresentados pelos responsáveis de empresas jornalísticas, com as phrases da etiqueta:

O Sr. F..., acadêmico; vem trabalhar aqui na revisão.

Este moço, acanhado a principio, nem sabe o que se faz para rever uma prova, nunca transpoz os humbraes de uma officina; tudo o surprehende; senta-se, toma de uma prova, começa a mirar os hieroglyphos postos á margem... e, complacente, o collega entrega-lhe um original para que ele o acompanhe na leitura; depois palestra com o companheiro e... em tres tempos está feito revisor, sem ter passado a vista num compendio de Arte Typographica.

Outros há, porém, que levam a cousa mais a serio: são os que tiram dessa ingrata profissão os meios de subsistencia.

Mas... são tão mal remunerados os revisores, que não vale critical-os. Entretanto, é tão delicada a sua função entre o industrial e o escriptor! Cada qual responsabiliza-o pelos fracassos e pelos erros contidos numa obra exposta á publicidade.

[...]

Um bom revisor deve ser um homem ilustrado, conhecedor das diferentes orthographias, das actividades humanas, das sciencias, da literatura, das regras de sports, das artes em geral e das operações, para poder se eximir da critica e das responsabilidades.

[...]

Nos tempos modernos, nos nossos dias, o revisor é quase um anonymo no trabalho de uma imprensa, escondido, muita vez, no canto escuro da sala, a desenhar signaes á margem das provas, é o bode expiatório de todas as culpas. Nenhum autor o cita, nem faz menção destes humildes collaboradores. Se o livro sahe perfeito, todo o aplauso é para o editor ou para a empresa, mas se houve descuido, errata ou galhas, é a revisão quem paga.

Autores descuidosos desculpam-se das faltas grammaticaes com o celebre erro de revisão; os legisladores, com a chapa, em nota, no fim da pagina: reproduzido por ter sahido com incorreções; ou aliás, para salvar aparências: este discurso não foi revisto pelo orador. Na verdade é que ninguém quer ser o culpado, só o revisor é o unico responsável; para elle todo o castigo é pouco... mesmo aquelle que, na China mandava cortar a cabeça do revisor.


(FONSECA, Arthur Arezio. Revisão de provas typographicas. Salvador: Imprensa Official, 1925)