sábado, 18 de janeiro de 2014

Rolezinho das variantes linguísticas na ABL acaba em confusão

Shopping Academia, um dia antes do rolezinho: tranquilidade e harmonia desejada pelos falantes de bem

RIO DE JANEIRO — A gramática tradicional está em alerta diante do que se convencionou chamar de "rolezinho linguístico, novo fenômeno social surgido no país. Trata-se de evento organizado por variantes linguísticas estigmatizadas das periferias, que elegeram os espaços tradicionalmente ocupados pela norma-padrão para abrigar grande número de dialetos populares, garantindo locais com infraestrutura de destaque para promover seu discurso.

Embora entrem silenciosamente nos shoppings, em pouco tempo já se encontram promovendo a pronúncia de inúmeros erros gramaticais, escandalizando puristas e usuários cultos. As variantes populares se reúnem em bandos e passeiam pelos corredores entoando barbarismos, solecismos, cacófatos, plebeísmos e outros vícios de linguagem, formando um verdadeiro bonde de palavras incultas, o que tem horrorizado as gramáticas de família.


Ontem, a Academia Brasileira de Letras — um dos points mais prestigiados da norma-padrão — foi ocupada por centenas de dialetos das periferias. Elas alegavam querer apenas
interação com as formas mais cultas, conhecer novas gírias, grafitar uns barbarismos e compartilhar solecismos, o que foi o suficiente para deixar os puristas — tradicionais frequentadores — apavorados.

Após o ocorrido, solicitamos à Secretaria de Segurança Culta uma correção linguística desses arrastões verbais. A Polícia Gramatical se viu incapaz de agir contra toda aquela multidão de dialetos, levando a Academia a fechar as portas mais cedo, disse Olavo Bilac, secretário-geral da ABL.

 “Antes de tudo, eu gostaria de deixar bem claro que não tenho contra essas... essas... falas diferenciadas... mas outro dia vi um bando de pleonasmos viciosos transitando por aqui, exalando um discurso vulgar, sem erudição e completamente fora do nosso contexto, dos nossos padrões... Que eu saiba, isto aqui ainda é um lugar onde habita, em sua forma mais pura, a língua de Ruy Barbosa!, queixou-se uma usuária da norma-padrão, assídua frequentadora do shopping Academia.É lamentável ver uma língua de família exposta a essas perigosas variações, disse um idoso, fiel seguidor da norma, lamentando o fato de as variantes ainda não se converterem ao padrão. Querem lazer? Então leiam! Querem consumir? Então consumam isto, diz ele, apontando para um exemplar da Gramática Arcaica da Língua Portuguesa.

Adotando um discurso moderado, o deputado gramatical Evanildo Bechara tem visão diferente do assunto:
A Academia tem a obrigação de proteger a norma-padrão. Só que ela também não pode discriminar nem condenar os dialetos, mandando recolhê-los apenas baseada em estereótipos, como o uso de variações populares, por exemplo. Ora, ela atende a todo o público falante, é responsável pela estabilidade e preservação da língua culta, mas deve fazer isso sem preconceito linguístico”, alertou o deputado, que apresentará em breve ao Congresso Nacional um projeto de norma que aprove certas variações populares que já se consolidaram na linguagem culta, conferindo-lhes o status de "corretas", isto é, aceitas pela norma-padrão.


Seguranças abordam variantes na praça de alimentação do Shopping Academia (RJ)



O comandante da Polícia Gramatical informou hoje que a ordem é impedir a contaminação do ambiente linguístico com erros crassos: “A norma é clara: dialetos não se misturam com as formas corretas da língua
. E complementa: “Isso não é nenhuma discriminação contra as variantes. Nada contra elas, mas sim contra os abusos que elas fazem das variações. Até aceitamos o uso de ‘chegar NO shopping' em vez de ‘chegar AO shopping’; de ‘assistir O filme’, com transitividade direta, em vez da forma prevista, ‘assistir AO filme’; do uso indiscriminado e aleatório de ‘esse' e ‘este'; mas formas viciadas como ‘nós entra na loja’, ‘os mano toca os funk', ‘os tênis mais filé já foram comprado’ são formas muito degeneradas do português para circularem por aqui e contaminam o espaço culto. Não iremos tolerar esses abusos.

Para o bispo Napoleão Mendes de Almeida, da Igreja Gramatical da Língua de Portugal, a presença das variantes no altar da norma-padrão é nociva porque
“elas são portadoras de vícios linguísticos que deturpam, desvirtuam a forma mais chique e luxuosa do português.

Já os sociólogos da linguagem saíram em defesa das variantes: de acordo com Marcos Bagno, “isso era inevitável. Resistir é inútil! Entre os dialetos cultos e os da periferia, há toda uma zona intermediária onde se dão influências recíprocas. Cedo ou tarde, certas formas condenadas podem se apropriar do espaço culto até serem aceitas pelos falantes de luxo. Deveríamos era aproveitar a oportunidade e acabar de uma vez com esse apartheid linguístico que oprime a maioria das variantes
, declarou.