sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Falsas atribuições de autoria

Muita gente atribui, em livros, blogs e sites, os versos abaixo a Vladimir Maiakovski:


Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.



Esse trecho de poema – que é apenas sua segunda estrofe – foi espalhado por vários jornais e zines universitários desde o final dos anos 60. O psicanalista Roberto Freire o citou na epígrafe de seu livro “Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu” (que fez muito sucesso nos anos 70), dando crédito ao poeta russo e atribuindo ao poeta carioca Eduardo Alves da Costa sua tradução, quando na verdade era este ninguém mais ninguém menos que o próprio autor do poema... tal erro pode ter se dado em virtude do próprio título desse poema, redigido em pleno 1968: “No Caminho com Maiakovski”. Desde então, o equívoco durou décadas: Foi publicado em diversos jornais com crédito para Maiakovski, sendo estampado até em camisetas da campanha Diretas Já nos anos 80, virando símbolo da luta contra o regime militar. E o engano só veio a ser esclarecido de fato em meados de 2003, quando nosso poeta tupiniquim finalmente lançou um livro cujo título é o mesmo do poema: No Caminho com Maiakovski. Nele, há um longo poema de 89 versos dedicado a Maiakovski (anteriormente ele foi publicado e divulgado, juntamente com a falsa autoria, num formato de 15 versos isolados do poema original). Até pouco tempo atrás, o autor nunca havia recebido sequer um tostão pelos direitos de publicação desse poema.

Os mesmíssimos versos também já foram atribuídos a Gabriel García Márquez, Bertolt Brecht, Wilhelm Reich, ao estadista africano Leopold Senghor e ao pastor luterano Martin Niemöller, que na verdade é autor de um poema com temática curiosamente semelhante, que circula por aí, com algumas variantes (inclusive também de autoria*):

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
Mas já não havia mais ninguém pra reclamar.




* Este texto do pastor luterano também circula por aí com a autoria atribuída a Bertolt Brecht.