terça-feira, 15 de setembro de 2015

O dia em que o gramático quis enforcar o revisor

O gramático Napoleão Mendes de Almeida em seu escritório no centro de São Paulo (1993) - Arquivo FSP



Contou-me Napoleão Mendes de Almeida que, por ordem expressa de Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, não se usava no jornal o substantivo fracasso – italianismo que, segundo o chefe, devia ser substituído por sinônimos de etimologia portuguesa, como malogro. Napoleão mantinha, no jornal dos Mesquitas, a coluna Questões vernáculas, em que respondia a perguntas dos leitores. Um deles, mais atento, indagou por que, n'O Estado, não se lia o termo fracasso, de uso tão frequente. O professor escreveu a resposta:


Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como fracasso. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico fracasso quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?

Ao receber os originais da coluna, o obediente revisor não teve dúvidas: onde havia fracasso, punha uma emenda para que se lesse malogro... A coluna virou, assim, um verdadeiro samba do crioulo doido:

Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como malogro. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico malogro quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?

O professor Napoleão quase morre de infarto: passou uma semana de cama, a pensar no sentimento que mais o consumia — se o desejo de estrangular o revisor ou a vergonha que sentia dos leitores...


(CAMINHA, Edmílson. Lutar com palavras. Diário do autor escrito no período de agosto de 1998 a dezembro de 2000. Brasília: Thesaurus, 2001, p. 147-148)

2 comentários:

  1. Napoleão era um grande gramático, mas muito radical em suas afirmações.

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    1. Concordo, Joaquim. E, infelizmente, era um gramático que não admitia a importância e os avanços da Linguística.

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