segunda-feira, 20 de abril de 2015

A lei de Murphy e o hífen perdido

Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais: dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível. 
Edward Aloysius Murphy Jr. (1918–1990)


Lançamento da sonda Mariner I (1962)
O desastre ocorrido com a primeira sonda interplanetária dos Estados Unidos foi extremamente oneroso e quase pôs um fim prematuro a toda a exploração espacial americana. A Mariner I havia sido derrubada pela falta de um hífen.

Quando a “corrida espacial” entre os Estados Unidos e a União Soviética começou, em fins da década de 50, o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL) apresentou planos grandiosos para uma série de sofisticadas sondas espaciais, a serem denominadas Mariner. O lançamento dessas grandes sondas, contudo, dependia de um novo foguete mais poderoso, o Atlas-Centauro, cujo projeto mostrou-se problemático. O JPL, finalmente, teve de satisfazer-se com um desenho menos sofisticado, batizado, de início, Mariner Ranger, ou apenas Mariner R, que seria lançado pelos propulsores Atlas-Agena B, então disponíveis. O programa Mariner, mesmo assim, custou mais de US$ 500 milhões.

A Mariner I deveria ser a primeira espaçonave interplanetária destinada a explorar os planetas mais próximos, ou seja, Vênus, Mercúrio e Marte. A sonda não tripulada tinha asas com células para captação de energia durante a jornada e dispunha de instrumentos para estudar Vênus, o planeta almejado. Ela foi lançada em 22 de julho de 1962. Cerca de quatro minutos depois do disparo, contudo, o lançador executou uma manobra não programada e começou a desviar-se do curso. O oficial da Nasa incumbido da segurança tinha menos de um minuto para decidir entre interromper o lançamento (e destruir milhões de dólares em equipamento) ou permitir o prosseguimento do voo (e correr o risco de uma sonda espacial errante cair em área populosa ou em rota de navegação). A decisão foi de abortar a missão. 


Deu no NY Times...
Duas foram as causas do acidente, de acordo com a investigação subsequente da Nasa. Primeiro, ocorreu um problema com o sistema de orientação a rádio do foguete. Para essa eventualidade, porém, os planejadores da missão estavam preparados com um computador de orientação sobressalente que entraria em missão em caso de falha do sistema principal. Infelizmente, o programa do computador de orientação continha um erro minúsculo, mas fatídico. Faltava-lhe um único caractere, nada mais que um hífen. Em consequência do hífen perdido — possivelmente, um erro tipográfico, ou omissão do programador —, a espaçonave passou a fazer mudanças de curso desnecessárias. O hífen (indicando ajustamento estatístico) não foi incluído na expressão “R-dot-bar sub n” (“n” = valor ajustado da derivada de raio). O certo seria “R-dot-bar sub-n”. O erro levou o software a tratar pequenas variações normais de velocidade como alterações sérias, o que induziu o computador a promover automaticamente uma série de mudanças de curso, emitindo comandos de orientação impróprios, que afastaram a espaçonave do curso certo. O erro de programação não foi detectado nas verificações prévias, talvez por negligência decorrente do excesso de segurança, uma vez que o sistema de orientação a rádio nunca falhara durante os testes. Um relatório específico posterior explicou a ocorrência da seguinte forma:


“Não se sabe por quê, faltou um hífen no programa de orientação do computador de bordo, o que levou instruções falhas a comandar o foguete, desviando-o para a esquerda e para baixo... Basta dizer que a primeira tentativa de voo interplanetário dos Estados Unidos fracassou pela falta de um hífen.”

O veículo custou mais de US$ 80 milhões, o que levou o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke (1917–2008) a referir-se ao erro como “o hífen mais dispendioso da história”.


(WEIR, Stephen. A lei de Murphy e o hífen perdido. In: ______. As piores decisões da história. Rio de Janeiro: Sextante, 2014, p. 190-193)


Observação: A verdade é que a Nasa, o escritor Arthur Clarke e o New York Times cometeram um equívoco histórico (e que perdura até hoje, tanto que foi inconscientemente reproduzido pelo autor do livro cujo trecho é supracitado) na descrição do sinal ausente como hífen; trata-se de um traço sobrescrito, mais conhecido como overline ou superscript bar, usada na fórmula matemática em questão




Tal equívoco se consagrou e até as mais diversas e recentes publicações sobre o caso falam em hífen. Em suma: um erro em cima de outro erro, deixando o errado ainda mais errado.

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